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3 March 2017

'O Valete de Espadas'

"Uma resposta é uma coisa séria, mesmo quando se trata de um cumprimento. Há sempre o perigo de responder errado. Por isso, às vezes -- muitas vezes -- prefiro passar por incivil e não respondo. Todos os erros do mundo se devem a respostas erradas. Além disso, aquele "bonjour, m'sieu"-- foi tão débil e maquinal, que não lhe correspondia resposta alguma. De palavras assim, o povo diz que entram por um ouvido e saem pelo outro. As verdadeiras perguntas talvez nem entrem pelo ouvido. Caem no coração e ficam batendo aflitamente as asas, como um pássaro no alçapão."

"Em que língua deverei falar? É fora de dúvida que não estou em meu país. Em meu país todos os homens são deliciosamente morenos e de belos rostos compassivos. Estes são ruivos, louros, calvos, narigudos. Todos os sinais de imbecilidade e grossura das raças louras. De qualquer maneira, é preciso perguntar."

"Aproximei-me do porteiro. Ia crivá-lo de perguntas. O homem estendeu-me maquinalmente o braço para receber uma coisa que eu tinha na mão. Hesitei um momento, e estendi-a:
--Sim, senhor. Minha chave."

"Fiquei curioso para ver a face dos outros, e olhei as mesas em redor. Um bigode maior, um bigode menor, mas todos do mesmo feitio. As senhoras e senhoritas provavelmente pintaram os lábios com o mesmo batom. São faces de um clichê coletivo. Quem será o autor desse clichê? São rostos sem mistério. Mas estão longe de ser francos. Os rostos verdadeiramente francos abrem janelas para o mistério. Não são assim despejados."

"Dói muito a condição dos homens. Está sujeita a todo um jogo de engrenagens inesperadas. As plantas e os animais são mais felizes, porque morrem com muita facilidade. As orquídeas do Equador e as jandaias cearenses não saberiam viver um dia nas regiões polares. Não aceitam a mudança. Seria a metamorfose. E entre a metarmofose e a morte, preferem a morte." -


Trechos de 'O Valete de Espadas', Cap. I, de Gerardo Mello Mourão

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