"(...)
será que essas mulheres por ti cantadas
habitam a fábula dos teus sonhos?
Cuidado, Fauno, mesmo naquela que exibe mais decoro
a ilusão salta dos seus olhos azuis
e frios, como fonte do choro.
E a outra, suspirosa, dizes, é o seu contraste
e como a brisa no dia mais ardente
percorre o pêlo encrespado do teu corpo.
[Não!] Se o fresco matinal só deseja vencer
toda essa lassidão imóvel de calores sufocantes
não há murmúrio de água que não seja
o som da minha flauta a derramar acordes
líquidos sobre o arvoredo.
E depois o vento. Solto dos dois tubos,
impedindo o som de se dispersar numa chuva árida,
e que é no horizonte, sem rugas que o pertubem,
esse sopro visível, sereno, artificial
da inspiração celeste.
[esse visível e sereno sopro de inspiração artificial, que revolve o céu (minha tradução)].
(...)
O teu dever, instrumento de fugas, ó maligna
flauta, é de florescer nos lagos onde tu me esperas.
Eu, orgulhoso do meu som, continuarei a falar
das deusas; e através de idólotras pinturas
a enlaçar na sombra as mais finas cinturas:
E depois de haver sugado a claridade das uvas
para esquecer algum desgosto oculto entre os meus jogos,
risonho, erguerei aos céus o cacho consumado,
soprando nas suas peles luminosas, ávido
e ébrio, olharei de soslaio até que chegue a noite.
(...)"
(Trecho de A Tarde de um Fauno, de Stéphane Marllamé,
traduzido por Armando Silva Carvalho. Relógio D'Água, 2001)
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